quinta-feira, 7 de junho de 2007

]]CONVOCATA[[

Considere-se este pasquim uma publicação livre e independente.
Menospreze-se toda e qualquer censura, principalmente a interna, no empreendimento que é a confecção de qualquer idéia e sua forma definitiva no papel.

Um comentário:

Fábio Góis disse...

Trecho do Diário de Papanattas (II)

Aliás, bem que gostaria que por mim passasse – e, de preferência se instalasse com uma bisbilhoteira balzaquiana a fofocar e se sustentar sobre nada firmes cotovelos, estes apoiados no para-peito empoeirado – que por mim passasse uma janelinha diferente daquelas que sempre me apresentam gramadinhos piegas. Uma janela daquelas do início do século, com ornatos barrocos a emoldurar a face sorridente e matreira daquela princesa, filha de meu caro amigo o Imperador. Meiga menina que, desconfio, anda perambulando por essas cercanias, vai ver que acomodada nessa simplória hospedaria para negar um pouco os louros da realeza, só para disfarçar. Sempre notei uma quedinha dela por mim, garboso plebeu. Pelo menos agora sou um ‘Sir’ birmanês.
Outro problema das janelas é que elas cismaram em disfarçar-se como paredes. Acho que estão enfrentando uma terrível crise de auto-afirmação, haja vista que na situação de janelas, vazadas por definição, devem se sentir um tanto vazias. Já forjando um aspecto de solitude que as paredes simulam, experimentam a plenitude estática e alheia e interpoente que uma parede tem. A única dificuldade em nosso relacionamento tem sido os mergulhos – frutos do efeito do Soro da Juventude, que me dá um ímpeto danado – em direção à paisagem sortida exposta pelas janelinhas izoneiras que não me enganam em seu utópico disfarce de paredes. Esses mergulhos rumo à sinergia homem-matéria é que são, suspeito, o motivo dessas enigmáticas protuberâncias na cabeça e essas a causa dessas dorezinhas de cérebro em crescimento incontido.
Na minha suíte presidencial não pára de entrar e sair garçons. Dia desses um deles trouxe um drinque muito especial, reservado à alta casta de hóspedes. Era de tão fino extrato que polpas redondinhas – acho que tinha duas – desceram arranhando minha agraciada garganta: elas estavam inexplicavelmente secas, sinal de que a bebida era mesmo especial.
Criaturas intrigantes, esses garçons... Nas horas menos trabalhosas, eles praticam uma espécie de esporte que, diga-se de passagem, é só pra macho. Consiste em um grupo de no mínimo dois garçons agarrar o oponente pelo braço e, se conseguirem, o que quase nunca é o meu caso (sempre fui muito viril), o arrastam para depois amarra-lo numa espécie de trincheira forrada por brancas lonas. Não afirmei à toa que sempre fui muito viril. É que, na maioria das vezes, os garçons, de tanto esforço que fazem para me dominar, esgotam-se a ponto de não terem mais forças para me desamarrar e – acho que por medo ou por preguiça de fazer esse esforço titânico novamente – reiniciar o jogo. E lá fico eu, estático até adormecer em meio a esquisitíssimos devaneios. Penso que devo convocar uma reunião de cúpula e reavaliar a composição química do tal Soro. E aproveitarei para fazer outros tipos de modificação nas diretrizes de funcionamento.
Uma delas é a respeito das televisões. Suas telas, de tão velhas, apresentam uma imagem vacilante, qual marolas a distorcer os reflexos. E aquele formato redondo de louça branca? Alguém aí já viu televisão assim? E o pior: poucos canais e aquela insistente imagem que teima em sumir em turbilhão, produzindo um som tonitroante e desagradável. Alguém aí já viu um programa assim tão... sem graça? O mais desagradável é a aguda dor de barriga antes de cada atração e o putrefato odor que – pasmem – evola da tela! Algo tão refinado tecnologicamente merece ajustes, digamos, mais lúcidos. Como tira-la do chão e, naturalmente, acomoda-la na parede, ou sobre algum móvel. Prefiro a segunda opção: assim uma janelinha mais fagueira não poderia flertá-la. Janelinhas sempre foram muito salientes. (continua...)

Fábio Góis