terça-feira, 10 de julho de 2007

O Gato e o Leão (The Cat and the Income Tax)

Era uma vez um gato que adorava falar que era técnico em eletrônica. Quase sempre gostava de estar em cima do muro, ouvindo o rádio que alguém esquecia na rua, e murmurava: “miau, adoro essa canção”. Falava sentindo um vazio imenso em seu coração proletário. Sim, pois só fazia filhos sem que tivesse interesse algum por eles ou mesmo emprego, renda que os sustentasse.
Belo dia, o gato, que era preto pela simples falta de escolha a que Deus sabiamente nos submete a todos, gatos ou sapos, pulou do muro e decidiu mudar de vida. Meteu a mão na carteira e tirou um velho pé-de-coelho que possuía desde os tempos da ditadura militar e que lhe fora roubado, certa vez, por uma pessoa de extremo mal gosto que, pensando melhor, em seguida o devolveu. De posse do objeto pôs-se a chorar de forma constrangedora – mesmo para um gato. Terminada a “gatarze” continuou caminhando até que avistou, do lado esquerdo, onde, por pura confusão juvenil, sempre percebera como o direito, o guarda de trânsito multando as pessoas sem que ao menos elas apresentassem trajes inadequados ou estivessem felizes. Achou aquilo de uma extrema falta de sensibilidade e foi voando falar com o oficial: “escuta aqui ó, seu fulano, não é direito isso ai que o senhor está fazendo, ora essa!” Disse e danou a correr como nunca antes alguém havia se atrevido. Enquanto corria pensava na loucura que acabara de cometer. – Imagine, correr por um motivo desses... Enfim, quando parou, voltou a ter aquela sensação de vazio que lhe corroeria a alma, como fosse prerrogativa de gatos possuir tais esoterismos. Mesmo assim aquilo acabara com suas últimas forças e desse modo ele se viu forçado a mergulhar no vão que se lhe havia formado dentro do esguio corpo, como a lhe torturar e triturar – por que não? - os ossos. Foi uma inadiável e profunda viagem interior quando ele, que nunca antes pensara em se matar, definiu isso como prioridade máxima em sua vida.
Já refeito e com ares de galhofa, voltou para casa com um sorriso nos lábios e a certeza de que nunca mais sairia novamente de seu bairro a fim de encontrar o que só mesmo a vida pode nos oferecer: a dignidade.

4 comentários:

Dante Accioly disse...

Hum... Errr... Tem um pouco dessa droga pra mim também?

André Halo disse...

Inspirado na literatura de Campos de Carvalho, uma paixão antiga.
Cara, tenho que te devolver o "A sangue frio". Bora tomá uma? Quando?
Abs

Dante Accioly disse...

Pronto!!!!!!




P.S. Tira essa verificação de palavras para os comentários, macho! Libera geral! Libera geral!

André Halo disse...

Mas rapaz, cê sabe que eu nem tinha notado ter habilitado isso! É que quando se está logado não se vê...
Abs