quarta-feira, 11 de julho de 2007

Sem Medo De Ser Feliz

As jogadas estavam sendo criadas com perfeição, há meses não se via o time jogar tão bem. Até Mazola, que depois de recuperado fisicamente da contusão ainda não voltara a apresentar a confiança habitual, jogava como se nunca houvesse sequer esfolado o dedão no duro chão de terra batida lá do Varjão.
Era bonito de se ver; valia a classificação para a final do campeonato: bola para Tatu, dele pra Zé Telo; metade do campo já era do Esporte Clube Buracão; lançamento certeiro no pé de Tinga e era só fazer: só ele, o goleiro e o gol, este que na visão de Tinga estava para o franzino goleiro do Barro Preto como o Pão de Açúcar está para o Cristo ou o mês está para o salário do próprio Tinga. Ouviu-se: não é possível, é só fazer, é só acreditar, chuta, chuta! E não é que Tinga deu um passo a mais, veio o zagueiro do Barrão e zap... levou bola, chuteira e canela de Tinga, só não levou um tucho de grama porque esta já não habitava aquelas paragens desde que futebol era com bola de meia. Pênalti! Estava marcado e não havia mesmo dúvida: penalidade máxima!
Na cabeça das pessoas que assistiam à peleja o mundo havia acabado de ser criado naquele instante. A expectativa do inusitado se misturava ao drama da responsabilidade que um pedreiro como Tinga jamais havia experimentado. Nem na final de noventa e cinco, contra o temido Risca Faca, da baixada, data em que o time, recém montado, jogava com a leveza da não responsabilidade histórica, desde então não se via tanta aflição por parte da torcida. Daquela vez se perdera. Aquele dia não; aquele jogo era o jogo da virada para todos do Buracão que finalmente, após tantos anos, podiam sonhar com a consagração, com o gosto doce e inigualável da vitória. Tudo era construção de segunda a sábado, que se fazia com as mãos na massa cinza do cimento e a cabeça colorida com o vermelho do terrão batido da baixada, para no fim de tudo apenas poder sentir o gosto doce, a sensação azul do gol.
E foi com essa confiança que Tinga olhou para a bola. Girando levemente o olho, mirava agora o canto onde supostamente pretendia fazer encaixar a bola, que por sua vez era vigiada pelo franzino goleiro barropretense que tinha o ato de piscar naquele momento como um dos sete pecados capitais. Tinga mirou novamente ambos, uma passada pela bola e outra conferida no canto desejado. O goleiro não se ousava fitar pois, sabe-se, tal prática não é de bom agouro antes do momento mesmo. Era chegada a hora. Poderia-se ver o ímpeto personificado nos olhos de Tinga não fosse a longa cabeleira suada a transfigurar-lhe a face. Partiu... havia tomado pouca distância, como o fazia Rivelino, seu ídolo de infância; três passos e estava na bola; a terra, há anos castigada, respondia aos passos do atacante com um suspiro de poeira elevando-se atrás das passadas. Bateu... era uma colocada e muito bem colocada; uma parábola que a medida em que se construía descrevia-se como um arco da mais perfeita coluna do mais perfeito palácio da mais perfeita arquitetura. Goleiro estava nela, tinha escolhido o canto certo e esticava-se como a língua de um lagarto buscando o inseto voador. Foi uma boa tentativa, mas em vão. Gol.

4 comentários:

Dante Accioly disse...

Porra!!!!!!! Pensei que o Tinga ia perder!!!!!!!!!! Cara, tu escreve bem para carácolis!

André Halo disse...

Ora, ora...
Quando Deus olhou pra mim, disse: esse é o cara (dizem que a frase é do Romário, mentira).

Anônimo disse...

Texto do cacete! Muito bom cara!!!!

André Halo disse...

Valeu, Tom! Melhor é saber que você esteve aqui.
Valeu mesmo!